Sono em Adultos, ou como Emma Jane Unsworth e Haruki Murakami olharam nos meus olhos e tiveram uma conversa séria comigo sobre participar.

 Sinto que preciso começar comentando que nas últimas três vezes que fiquei doente acabei favoritando livros que li sob o efeito de antibióticos e analgésicos. O que não tem nenhuma ligação específica com o tema do post, mas é um fato curioso (e aqui na empresa Vachement nós amamos fatos curiosos). Mas segurando o único gancho que tenho para falar do que vim falar, Adultos e Murakami foram ambos livros lidos respectivamente enquanto eu lidava com meus sisos e com uma bronquite ainda em contenção por aqui. Enquanto resmungava na cama e tomava chá, tive experiências diversas mas complementares sobre ser um agente ativo na minha existência. 


Em adultos, a Emma Jane Unsworth te coloca em frente a uma protagonista insuportável e infantil que vive na sombra da sua persona online. Jenny chega ao ponto de colocar toda sua validação nas mãos de comentários de estranhos e ignorar o mundo real enquanto claramente afunda numa espiral psicológica bem triste. O livro tem um tom meio Fleabag (nada acima dela) e meio Girls, entrega dramédia até a última página. O que me pegou muito nessa história foi compartilhar com a Jenny essa vontade de agradar, de ser vista como legal, de me preocupar profundamente se estou sendo gentil o suficiente e se  as pessoas estão satisfeitas com meu desempenho em seja lá que área. 

Muito da minha personalidade é pautada nisso até hoje, mas graças a terapia e ao esforço ativo de descobrir e viver de acordo com os meus parâmetros, estou num lugar saudável, e bem feliz com o poder mágico do “não”. Mas ainda sim, foi inquietante ver uma questão sensível e dolorida ser trazida à tona, esse trecho resume bem do que to falando; 


“Outras vezes só quero ficar sozinha com a minha imaginação. Mas na maior parte do tempo, só quero não me importar o tempo todo com o que cada pessoa pensa de mim, e quero não ter as opiniões de tantas pessoas zumbindo no meu cérebro, e quero dividir a vida com alguém e não me entediar, e estou muito apavorada de isso não ser possível, porque são muitas caixas para esvaziar e organizar. E, algumas vezes só quero tomar um banho, colocar um jeans limpo e comer um sanduíche em um café, e me sentir como uma porra de uma pessoa normal.” 

Fiquei melancólica, mas depois fiquei bem satisfeita em ver como é possível se colocar na frente de uma questão interna e fazer alguma coisa sobre isso, não se deixar levar inteiramente pelos aspectos ruins do que te faz humano e colocar limites dentro da sua própria cabeça, o autocuidado em uma das formas mais básicas. Eu ainda não aprendi a andar de bicicleta, mas acho que estou pelo menos segurando o guidão, meio sem equilíbrio e caindo, mas tentando. E acredito mesmo que tentar é uma grande coisa ótima. 




    Já Murakami começou me amarrando com relatos que conversam horrores com meus episódios de paralisia do sono, cogitei até parar a leitura quando esbarrei na primeira descrição, mas fui pelo caminho contrário e engoli Sono em um sábado meio morno que passei trancada no quarto tentando me lembrar de tomar todos os jatos da bombinha nos horários recomendados pelo médico. Aqui não temos dramédia e risadinhas nervosas, temos a clássica dupla sertaneja: Dor & Sofrimento. A personagem principal não dorme mais, e não se cansa por isso. Na verdade, ela que é casada e mãe de uma criança em idade pré escolar, acaba usando o tempo livre para voltar a ler, comer chocolates e beber álcool. Realmente não quero entregar muito desse livro, que tem 115 páginas recheadas de ilustrações belíssimas e perturbadoras, aqui eu quero focar na minha interpretação dessa viagem incrível.

    Enxerguei muito como uma história sobre ser soterrada pela vida, e enquanto em Adultos era uma um caso de dar um basta e ser capaz de superar características entranhadas em mim, Sono foi sobre a importância de andar sempre de mãos dadas com o que me torna quem eu sou, olhar no espelho e enxergar além da rotina, do trabalho e da minha aparência. Murakami me fez refletir sobre como é fácil se perder da gente e dos nossos prazeres íntimos, especialmente sendo mulher e jovem. Como não precisamos de grandes traumas ou acontecimentos desastrosos para chegarmos em lugares ruins. Ou como nossa individualidade pode parecer minúscula frente a todo o resto, mas seu exercício é essencial para manter nossa cabeça no lugar. Em determinado ponto a protagonista declara; “Não preciso dormir. Se por um lado o meu corpo vai ser consumido pela tendência, por outro sei que minha mente será somente minha. Sou capaz de mantê-la firmemente comigo. Não vou entregá-la a ninguém.Não quero ser curada. Não vou dormir”.     Penso que não dormir também é não me deixar levar, é me manter atenta e vigilante quanto a forma com que caminho neste mundo, lembrando do que não é tão bom, trabalhar nos erros, impor limites a mim e aos outros. Mas celebrar as pequenas coisas, sorrir verdadeiramente para o que encontro de bonito no mundo e escrever textões grandes demais sobre os livros que me tocam o coração. Aprender a andar na corda bamba entre o interno e o externo e tentar fazer disso algo minimamente divertido. Participando. Nem que seja colocando um lembrete no celular com a frase “ Murakami e Emma Unsworth estão de olho em você”.


    




Comentários

  1. amei o texto, adoro resenhas assim mais intimistas! você escreve muito bem, sempre fico com vontade de ler tudo que vc fala sobre <3

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  2. terminando esse texto assim depois desse último parágrafo 🗣🗣🗣 simplesmente apaixonada por todas sua interpretação sobre sono, vai muito no caminho do que pensei sobre essa leitura, mas sem conseguir elaborar um texto tão bonito assim (inclusive reler depois de ver você falando sobre esse livro). adultos eu ainda preciso começar, vi muita gente reclamando da protagonista chata (e isso me deixou com uma certa preguiça, mesmo gostando de personagens chatos haha) mas agora tô beeeeem mais curiosa sobre essa história <3

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